OUTRAS
IDÉIAS
A
satisfação conclui, encerra, termina; a satisfação não deixa mar- gem para a
continuidade, para o prosseguimento, para a persistência, para o desdobramento
NÃO NASCEMOS
PRONTOS...
A
advertência é preciosa: não esquecer que a satisfação conclui, encerra,
termina; a satisfação não deixa margem para a continuidade, para o
prosseguimento, para a persistência, para o desdobramento. A satisfação acalma,
limita, amortece.
Por
isso, quando alguém diz "Fiquei muito satisfeito com você" ou
"Estou muito satisfeita com seu trabalho", é assustador. O que se
quer dizer com isso? Que nada mais de mim se deseja? Que o ponto atual é meu
limite e, portanto, minha possibilidade? Que de mim nada mais além se pode
esperar? Que está bom como está? Assim seria apavorante; passaria a idéia de
que desse jeito já basta. Ora, o agradável é alguém dizer "seu trabalho
(ou carinho, ou comida, ou aula, ou texto, ou música etc) é bom, fiquei muito
insatisfeito e, portanto, quero mais, quero continuar, QUERO CONHECER outras
coisas".
Um
bom filme não
é exatamente aquele que, quando termina, nos deixa insatisfeitos, parados,
olhando, quietos, para a tela, enquanto pas- sam os letreiros, desejando que
não cesse? Um bom livro não é aquele que, quando encerramos a leitura, permanece
um pouco apoiado no colo e nos deixa absortos e distantes, pensando que não
poderia terminar? Uma boa festa, um bom jogo, um bom passeio, uma boa cerimônia
não é aquela que queremos que se prolongue?
Com a
vida de cada um e de cada uma também tem de ser assim; afinal de contas, não
nascemos prontos e acabados. Ainda bem, pois estar satisfeito consigo mesmo é
considerar-se terminado e constrangido ao possível da condição do momento.
Quando
crianças (só as crianças?), muitas vezes, diante da tensão provocada por algum
desafio que exigia esforço (estudar, treinar, EMA- GRECER etc),
ficávamos preocupados e irritados, sonhando e pensando: Por que a gente já não
nasce pronto, sabendo todas as coisas? Bela e ingênua perspectiva. É
fundamental não nascermos sabendo nem prontos; o ser que nasce sabendo não terá
novidades, só reiterações. Somos seres de insatisfação e precisamos ter nisso
alguma dose de ambição; todavia, ambição é diferente de ganância, dado que o
ambicioso quer mais e melhor, enquanto que o ganancioso quer só para si
próprio.
Nascer
sabendo é uma limitação porque obriga a apenas repetir e, nunca, a criar,
inovar, refazer, modificar. Quanto mais se nasce pronto, mais se é refém do que
já se sabe e, portanto, do passado; aprender sempre é o que mais impede que nos
tornemos prisioneiros de situações que, por serem inéditas, não saberíamos
enfrentar.
Diante
dessa realidade, é absurdo acreditar na idéia de que uma pessoa, quanto mais
vive, mais velha fica; para que alguém quanto mais vivesse, mais velho ficasse,
teria de ter nascido pronto e ir se gastando...
Isso não ocorre com gente, mas com fogão, sapato, geladeira. Gente não nasce pronta e vai se gastando; gente nasce não-pronta e vai se fazendo. Eu, no ano 2000, sou a minha mais nova edição (REVISTA e, às vezes, um pouco ampliada); o mais velho de mim (se é o tempo a medida) está no meu passado, não no presente.
Isso não ocorre com gente, mas com fogão, sapato, geladeira. Gente não nasce pronta e vai se gastando; gente nasce não-pronta e vai se fazendo. Eu, no ano 2000, sou a minha mais nova edição (REVISTA e, às vezes, um pouco ampliada); o mais velho de mim (se é o tempo a medida) está no meu passado, não no presente.
Demora
um pouco para entender tudo isso; aliás, como falou o mesmo Guimarães,
"não convém fazer escândalo de começo; só aos poucos é que o escuro é
claro"...
MARIO
SERGIO CORTELLA, filósofo, professor da PUC-SP e autor de "A Escola e o
Conhecimento: Fundamentos Epistemológicos e Políticos" (ed. Cortêz/ IPF),
entre outros, escreve aqui uma vez por mês
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