A NECESSIDADE DE ASSUMIR O SOCIALISMO COM TEOR
HUMANÍSTICO
Leonardo
Boff
PUBLICADO EM 29/08/14 - 03h00
A
nossa geração viu caírem dois muros aparentemente inabaláveis: o de Berlim, em 1989, e o de Wall Street, em
2008. Com o muro de Berlim, ruiu o socialismo marcado pelo estatismo, pelo
autoritarismo e pela violação dos direitos humanos. Com o muro de Wall Street,
se deslegitimaram o neoliberalismo como ideologia política e o capitalismo como
modo de produção.
Apresentavam-se
como duas visões de futuro e duas formas de habitar o planeta, agora incapazes
de nos dar esperança e de reorganizar a convivência planetária.
É
nesse contexto que ressurgem as propostas vencidas no passado, mas que podem
ter agora chance de realização, como a democracia comunitária e o “bem viver”
dos andinos.
O
capitalismo realmente existente (a sociedade de mercado) eu descarto de antemão
porque é tão nefasto que, a continuar com sua lógica devastadora, pode liquidar
a vida humana sobre o planeta. Ao socialismo, assumido no
Brasil por vários partidos, particularmente o PSB com o lamentado Eduardo
Campos, cabem algumas chances.
Os
fundadores do socialismo (Marx pretendeu dar-lhe um caráter científico contra os outros que
chamava de “utópicos”) nunca o entenderam como simples contraposição ao
capitalismo, mas como a realização dos ideais proclamados pela revolução
burguesa: a liberdade, a dignidade do cidadão, o seu direito de livre
desenvolvimento e a participação na construção da vida coletiva e democrática.
Gramsci e Rosa Luxemburgo viam no socialismo a realização plena da democracia.
A
questão básica de Marx era: por que a sociedade burguesa não consegue realizar
para todos os ideais que ela proclama? Produz o contrário do que quer. A
economia política deveria satisfazer as demandas humanas (comer, vestir-se,
morar, instruir-se, comunicar-se etc.), mas, na verdade, ela atende as
necessidades do mercado, em grande parte artificialmente induzidas, e visa a
crescente lucro.
Para
Marx, a não consecução dos ideais da revolução burguesa não se deve à má
vontade dos indivíduos ou dos grupos sociais. É consequência inevitável do modo
de produção capitalista. Esse se baseia na apropriação privada dos meios de
produção (capital como terras, tecnologia etc.) e na subordinação do trabalho
aos interesses do capital. Tal lógica dilacera a sociedade em classes, com
interesses antagônicos, incidindo em tudo: na política, no direito, na educação
etc.
As
pessoas na ordem capitalista tendem facilmente, quer queiram, quer não, a se
tornar desumanas e estruturalmente “egoístas”, pois cada qual se sente urgido a
cuidar, primeiro, de seus interesses e somente depois dos interesses coletivos.
Qual
é a saída excogitada por Marx e seguidores? Trocar de modo de produção. No
lugar da propriedade privada, introduzir a propriedade social. Mas adverte
Marx: a troca do modo de produção não é ainda a solução. Ela não garante a nova
sociedade, apenas oferece as chances de desenvolvimento dos indivíduos que não
seriam mais meios e objetos, mas fins e sujeitos solidários na construção de um
mundo realmente com rosto humano. Mesmo com essas precondições, as pessoas têm
que querer viver as novas relações. Caso contrário, não surgirá a nova
sociedade. E diz mais: “A história não faz nada; é o ser humano concreto e vivo
que tudo faz; a história não é outra coisa que a atividade dos seres humanos
buscando seus próprios objetivos”.
Minha
aposta: iremos na direção de uma crise ecológico-social de tal magnitude que,
ou assumimos o socialismo com esse teor humanístico, ou então não temos como
sobreviver.
Nenhum comentário:
Postar um comentário