ENTREVISTANDO EDGAR MORIN:
É PRECISO EDUCAR OS EDUCADORES
por O Globo
Edgar Morin, sociólogo e filósofo
francês, retorna ao Brasil para conferência magna no evento Educação
360, que acontece no Rio de Janeiro, nos dias 05 e 06 de setembro, e
conta com outros convidados como Pierre Lévy e Shukla Bose. Em
entrevista ao O Globo, Morin critica o modelo ocidental de ensino e diz que o
professor tem uma missão social, por isso, segundo ele, “é preciso educar os
educadores”. Leia abaixo:
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O Globo: Na sua opinião, como seria o modelo ideal de educação?
Edgar Morin: A figura do
professor é determinante para a consolidação de um modelo “ideal” de educação.
Através da Internet, os alunos podem ter acesso a todo o tipo de conhecimento
sem a presença de um professor. Então eu pergunto, o que faz necessária a
presença de um professor? Ele deve ser o regente da orquestra, observar o fluxo
desses conhecimentos e elucidar as dúvidas dos alunos. Por exemplo, quando um
professor passa uma lição a um aluno, que vai buscar uma resposta na Internet,
ele deve posteriormente corrigir os erros cometidos, criticar o conteúdo
pesquisado.
É preciso desenvolver o senso crítico dos alunos. O
papel do professor precisa passar por uma transformação, já que a criança não
aprende apenas com os amigos, a família, a escola. Outro ponto importante: é
necessário criar meios de transmissão do conhecimento a serviço da curiosidade
dos alunos. O modelo de educação, sobretudo, não pode ignorar a curiosidade das
crianças.
O
Globo: Quais são os maiores problemas do modelo de ensino atual?
Edgar
Morin: O modelo de ensino que foi instituído nos países
ocidentais é aquele que separa os conhecimentos artificialmente através das
disciplinas. E não é o que vemos na natureza. No caso de animais e vegetais,
vamos notar que todos os conhecimentos são interligados. E a escola não ensina
o que é o conhecimento, ele é apenas transmitido pelos educadores, o que é um
reducionismo. O conhecimento complexo evita o erro, que é cometido, por exemplo,
quando um aluno escolhe mal a sua carreira. Por isso eu digo que a educação
precisa fornecer subsídios ao ser humano, que precisa lutar contra o erro e a ilusão.
O Globo: O senhor pode explicar melhor esse conceito
de conhecimento?
Edgar Morin: Vamos
pensar em um conhecimento mais simples, a nossa percepção visual. Eu vejo as
pessoas que estão comigo, essa visão é uma percepção da realidade, que é uma
tradução de todos os estímulos que chegam à nossa retina. Por que essa visão é
uma fotografia? As pessoas que estão longe são pequenas, e vice-versa. E essa
visão é reconstruída de forma a reconhecermos essa alteração da realidade, já
que todas as pessoas apresentam um tamanho similar.
Todo conhecimento é uma tradução, que é seguido de
uma reconstrução, e ambos os processos oferecem o risco do erro. Existe outro
ponto vital que não é abordado pelo ensino: a compreensão humana. O grande
problema da humanidade é que todos nós somos idênticos e diferentes, e
precisamos lidar com essas duas ideias que não são compatíveis. A crise no
ensino surge por conta da ausência dessas matérias que são importantes ao
viver. Ensinamos apenas o aluno a ser um indivíduo adaptado à sociedade, mas
ele também precisa se adaptar aos fatos e a si mesmo.
O
Globo: O que é a transdisciplinaridade, que defende a unidade do conhecimento?
Edgar
Morin: As disciplinas fechadas impedem a compreensão dos
problemas do mundo. A transdisciplinaridade, na minha opinião, é o que
possibilita, através das disciplinas, a transmissão de uma visão de mundo mais
complexa. O meu livro “O homem e a morte” é tipicamente transdisciplinar, pois
busco entender as diferentes reações humanas diante da morte através dos
conhecimentos da pré-história, da psicologia, da religião. Eu precisei fazer
uma viagem por todas as doenças sociais e humanas, e recorri aos saberes de
áreas do conhecimento, como psicanálise e biologia.
O Globo: Como a associação entre a razão e a
afetividade pode ser aplicada no sistema educacional?
Edgar Morin: É preciso estabelecer um
jogo dialético entre razão e emoção. Descobriu-se que a razão pura não existe.
Um matemático precisa ter paixão pela matemática. Não podemos abandonar a
razão, o sentimento deve ser submetido a um controle racional. O economista, muitas
vezes, só trabalha através do cálculo, que é um complemento cego ao sentimento
humano. Ao não levar em consideração as emoções dos seres humanos, um
economista opera apenas cálculos cegos. Essa postura explica em boa parte a
crise econômica que a Europa está vivendo atualmente.
O Globo: A literatura e as artes deveriam ocupar mais
espaço no currículo das escolas? Por quê?
Edgar
Morin: Para se conhecer o ser humano, é preciso estudar
áreas do conhecimento como as ciências sociais, a biologia, a psicologia. Mas a
literatura e as artes também são um meio de conhecimento. Os romances retratam
o indivíduo na sociedade, seja por meio de Balzac ou Dostoiévski, e transmitem
conhecimentos sobre sentimentos, paixões e contradições humanas. A poesia é
também importante, nos ajuda a reconhecer e a viver a qualidade poética da
vida. As grandes obras de arte, como a música de Beethoven, desenvolvem em nós
um sentimento vital, que é a emoção estética, que nos possibilita reconhecer a
beleza, a bondade e a harmonia. Literatura e artes não podem ser tratadas no
currículo escolar como conhecimento secundário.
O Globo: Qual a sua opinião sobre o sistema brasileiro
de ensino?
Edgar
Morin: O Brasil é um país extremamente aberto a minhas
ideias pedagógicas. Mas, a revolução do seu sistema educacional vai passar pela
reforma na formação dos seus educadores. É preciso educar os educadores. Os
professores precisam sair de suas disciplinas para dialogar com outros campos
de conhecimento. E essa evolução ainda não aconteceu. O professor possui uma
missão social, e tanto a opinião pública como o cidadão precisam ter a
consciência dessa missão. [ Leia esta entrevista no site do O Globo]
OS
LIMITES DO CONHECIMENTO
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