"Querido
Marcelo,
"Peço que me
desculpes, mas hoje trato-te por tu. Contigo estamos à vontade e não “à
vontadinha”; mas mesmo não tendo andado contigo na escola, e sabendo que tens
idade para ser meu avô, permite-me a irreverência.
Elegemos-te,
como elegemos todos os políticos, para nos representares. E tu, matreiro, tens
feito exactamente isso. Que desassossego Marcelo!
"Que coisa
rara ser-se assim genuíno!
"Vais a tudo
e a todas. Nem o Emplastro consegue seguir-te as pisadas! Como fizeste no
fim-de-semana em que se cumpriu Portugal? Aposto que com tantos quilómetros
entre Papa, Salvador e Benfica tinhas amealhado pelo menos uns dez DOTS, se
eles ainda estivessem na moda.
"Pouco a
pouco, tens conquistado estes corações de granito que nós lusitanos tendemos a
carregar. E olha que não gostamos nada disso! Tal como nos Santos a sardinha se
vende ao preço do cardume, no mundo da politiquice quando a esmola é muita o
povo desconfia. Homem político é para ser odiado, senão de que nos servem? A
quem atiramos a primeira pedra se começam todos a ser como tu?
"Contigo é um
desatino! Sem esforço, tens intensificado este sentimento de que ainda há
políticos decentes. Que ousadia a tua, mostrares-te assim simples e honesto,
sem prepotência e sem orgulho! Não tens medo de ser vulnerável. E menos medo
tens de quebrar protocolos e seres um Presidente tresmalhado que não segue
rebanhos.
"Mostras
compaixão onde outros mostraram assessores. Pões o dedo na ferida e vais para a
arena com os restantes comuns mortais. Nada do que fazes é por interesse
próprio, nem queres que seja. Quando um jornalista te perguntou quanto tempo
ficarias no Pedrógão, respondeste, fresco como um manjerico, que ficarias o
tempo que fosse necessário. Inconcebível para ti tentar prever o tempo que
demora a dar uma palavra de conforto a quem dela mais precisa.
"Estou-te
grata por trazeres à baila o humanismo que tinha caído em desuso na tua classe
profissional — e não só. No mundo médico por exemplo, é de mau tom e eticamente
questionável abraçar um doente. Mas às vezes, quando a dor é muita e não
sabemos o que dizer, um abraço diz tudo. E digo-te — cá entre nós — que tanto
eu, como muitos colegas, já cometemos essa perversão.
"Sei que
sabes quão poderoso pode ser um abraço. Fizeste-o quando chegaste ao local da
tragédia, por caminhos aparentemente pouco recomendados. És assim. Deixas tudo
num reboliço e vais pousar directamente onde é preciso. E ficas, demoras-te, e
inundas tudo e todos de compaixão, como um amigo verdadeiro. Estávamos sedentos
de ter alguém assim.
"Nesta
vida-luta que travamos nem sempre temos coragem para ser genuínos, vulneráveis
e humanos, como tu. Este desamor Marcelo, é para ser vivido longamente. Espero
que consigas inspirar outros a ser como tu e que nos relembres que os valores
pessoais falam mais alto do que a profissão que exercemos. Mas o que quero
mesmo, é que, em caso de tragédia, possas ser tu a ir lá dar “aquele abraço”
que todos nós gostaríamos de poder dar!"
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