quinta-feira, 16 de julho de 2015

BUARQUE, CRISTOVAM - CADEIA ESCONDE INCOMPETÊNCIA - UM DOS CÂNCERES DO BRASIL



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Cadeia esconde a incompetência
*Por Cristovam Buarque.
Resultado de imagem para cadeia esconde a incompetenciaNos dias 1º e 2 de julho, as manchetes dos principais jornais do país mostraram como, em poucas horas, nossos deputados mudaram radicalmente de posição. Num dia, rejeitaram a proposta de emenda à Constituição que reduzia a maioridade penal; no outro, aprovaram a mesma matéria, com mínima mudança. Ao circular no mundo, a notícia desse comportamento volúvel certamente foi motivo de chacota. Primeiro, por mostrar que no Brasil pode-se mudar a Carta Magna de forma tão irresponsável.
Em qualquer país civilizado, a constituição só é alterada após longas reflexões, e muitas vezes a proposta com esse objetivo é submetida à consulta popular, antes ou após a aprovação. Em alguns países, as constituições atravessam séculos, enquanto aqui não resistem horas. Pelo menos é o que parece acontecer na Câmara dos Deputados, embora ainda necessite passar por um debate e duas votações no Senado Federal. Não fosse isso suficientemente grave para mostrar a degradação do nosso sistema parlamentar, a mudança de posição provocou um retrocesso na marcha do Brasil em direção a um tratamento humano e civilizado da infância brasileira. A redução da maioridade penal para punir menores infratores, mesmo por crimes bárbaros, significa que, em vez de enfrentar as causas que levam tantos brasileiros jovens à criminalidade, o Estado prefere construir mais cadeias; em vez de adotar políticas públicas para enfrentar o grave problema da violência juvenil, os deputados preferem mandar prender os que seguiram o caminho da violência. Essa decisão mostra que nós, parlamentares, não temos compromisso nem competência para colocar na escola todas as nossas crianças com até 18 anos de idade, em horário integral, optando comodamente por mandá-las para as cadeias. E mais: fazemos isso não para corrigir o problema da delinquência juvenil, não para reduzir a violência praticada por menores, mas para ganhar votos diante da justificada indignação popular, desejosa de vingança contra esses criminosos mirins. Fato é que cada jovem a ser encarcerado nos próximos anos provavelmente representará votos para aqueles que, de uma noite para a outra, mudaram a Constituição e aprovaram a redução da maioridade penal para 16 anos. Esta é a posição do parlamento, pelo menos até o pronunciamento do Senado Federal diante da decisão da Câmara. Tão grave quanto esse retrocesso social é o fato de que a aprovação da proposta em questão sófoi possível com a violação do Regimento Interno da Câmara, um gesto autoritário que nos faz temer o que acontecerá no processo legislativo brasileiro ao longo dos próximos meses e talvez, anos. Se quiséssemos de fato reduzir a violência juvenil, o Congresso Nacional deveria apontar caminhos para o Executivo oferecer, a todas as crianças, escolas de qualidade,independentemente da renda familiar ou do local de moradia, durante todos os 365 dias do ano.
A cadeia é um instrumento de recuperação para criminosos; é também recurso necessário à proteção social contra bandidos, corruptos, assassinos, ladrões, estupradores. Mas não deve ser um dispositivo de punição por vingança. Esse comportamento pode se manifestar em indivíduos, mas não em sociedades civilizadas. A prisão não pode ser um instrumento para justificar a incompetência política brasileira, que não consegue legislar sob o princípio constitucional de educação de qualidade para todos. Em junho, o Senado, em direção contrária à Câmara dos Deputados, aprovou o projeto de lei que orienta a federalização da educação de base. Vamos ver se essa proposta terá análise e votação rápida no Congresso, a exemplo do que ocorreu com a redução da maioridade penal, ou se cumprirá o mesmo destino do esquecimento, caminho de centenas de projetos voltados para as escolas.
Resultado de imagem para cadeia esconde a incompetenciaA Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça (Senasp) divulgou recentemente que os menores de 16 a 18 anos respondem por 0,9% dos crimes praticados no nosso país. Considerando homicídios e tentativas de homicídio, esse percentual cai para 0,5%.Como se vê, mais do que as leis aprovadas de madrugada, deveríamos enfrentar as causas estruturais da violência no país e zerar esses indicadores.
CRISTOVAM BUARQUE: Professor emérito da UnB e senador pelo PDT-DF.



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