Cadeia esconde a incompetência
*Por Cristovam Buarque.
Nos dias 1º e 2 de julho, as manchetes dos principais
jornais do país mostraram como, em poucas horas, nossos deputados mudaram
radicalmente de posição. Num dia, rejeitaram a proposta de emenda à Constituição
que reduzia a maioridade penal; no outro, aprovaram a mesma matéria, com mínima
mudança. Ao circular no mundo, a notícia desse comportamento volúvel certamente
foi motivo de chacota. Primeiro, por mostrar que no Brasil pode-se mudar a
Carta Magna de forma tão irresponsável.
Em qualquer país civilizado, a constituição só é
alterada após longas reflexões, e muitas vezes a proposta com esse objetivo é
submetida à consulta popular, antes ou após a aprovação. Em alguns países, as
constituições atravessam séculos, enquanto aqui não resistem horas. Pelo menos
é o que parece acontecer na Câmara dos Deputados, embora ainda necessite passar
por um debate e duas votações no Senado Federal. Não fosse isso suficientemente
grave para mostrar a degradação do nosso sistema parlamentar, a mudança de
posição provocou um retrocesso na marcha do Brasil em direção a um tratamento
humano e civilizado da infância brasileira. A redução da maioridade penal para
punir menores infratores, mesmo por crimes bárbaros, significa que, em vez de
enfrentar as causas que levam tantos brasileiros jovens à criminalidade, o
Estado prefere construir mais cadeias; em vez de adotar políticas públicas para
enfrentar o grave problema da violência juvenil, os deputados preferem mandar
prender os que seguiram o caminho da violência. Essa decisão mostra que nós,
parlamentares, não temos compromisso nem competência para colocar na escola
todas as nossas crianças com até 18 anos de idade, em horário integral, optando
comodamente por mandá-las para as cadeias. E mais: fazemos isso não para
corrigir o problema da delinquência juvenil, não para reduzir a violência
praticada por menores, mas para ganhar votos diante da justificada indignação
popular, desejosa de vingança contra esses criminosos mirins. Fato é que cada
jovem a ser encarcerado nos próximos anos provavelmente representará votos para
aqueles que, de uma noite para a outra, mudaram a Constituição e aprovaram a
redução da maioridade penal para 16 anos. Esta é a posição do parlamento, pelo
menos até o pronunciamento do Senado Federal diante da decisão da Câmara. Tão
grave quanto esse retrocesso social é o fato de que a aprovação da proposta em
questão sófoi possível com a violação do Regimento Interno da Câmara, um gesto
autoritário que nos faz temer o que acontecerá no processo legislativo
brasileiro ao longo dos próximos meses e talvez, anos. Se quiséssemos de fato
reduzir a violência juvenil, o Congresso Nacional deveria apontar caminhos para
o Executivo oferecer, a todas as crianças, escolas de
qualidade,independentemente da renda familiar ou do local de moradia, durante
todos os 365 dias do ano.
A cadeia é um instrumento de recuperação para
criminosos; é também recurso necessário à proteção social contra bandidos,
corruptos, assassinos, ladrões, estupradores. Mas não deve ser um dispositivo
de punição por vingança. Esse comportamento pode se manifestar em indivíduos,
mas não em sociedades civilizadas. A prisão não pode ser um instrumento para
justificar a incompetência política brasileira, que não consegue legislar sob o
princípio constitucional de educação de qualidade para todos. Em junho, o
Senado, em direção contrária à Câmara dos Deputados, aprovou o projeto de lei
que orienta a federalização da educação de base. Vamos ver se essa proposta terá
análise e votação rápida no Congresso, a exemplo do que ocorreu com a redução
da maioridade penal, ou se cumprirá o mesmo destino do esquecimento, caminho de
centenas de projetos voltados para as escolas.
A Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério
da Justiça (Senasp) divulgou recentemente que os menores de 16 a 18 anos
respondem por 0,9% dos crimes praticados no nosso país. Considerando homicídios
e tentativas de homicídio, esse percentual cai para 0,5%.Como se vê, mais do
que as leis aprovadas de madrugada, deveríamos enfrentar as causas estruturais
da violência no país e zerar esses indicadores.
CRISTOVAM BUARQUE: Professor emérito da UnB e senador pelo
PDT-DF.
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